quinta-feira, 21 de maio de 2009

Alvorecer no Mississipi

Era outono e ventava sonolento. Janela. Vidro. Farfalhar. Folhas se espalhavam no jardim, acumulando-se, sorrateiramente sombrias e secas. Na sacada da varanda, o sol amanhecido em tons de amarelo frio com uma fraca disposição para o calor. Pinkerton estava a balançar na rede de sua casa. Observando ao longe os campos de algodão como eles ficavam naquela época do ano na propriedade vizinha.

Sozinho na casa.Todos longe dali. Deserta manhã de domingo, onde todos tinham ido a igreja menos ele. Simplesmente acordara indisposto e por momentos daquela hora vazia, naquele campo ermo, não havia ninguém além do sol, do vento e das folhas e do som do balançar da rede a lhe fazer companhia.

O sol era meio doentio, mas ele havia. Nem pássaros no céu, nem insetos a zumbir. Os campos, apesar de desertos de qualquer outro som além do farfalhar, possuíam uma vida em cores de ocre inimagináveis.A grama movimentava-se sonolenta. A paisagem vasta via-se subitamente encoberta por uma sombra colossal e agourenta.
O relógio de pulso havia parado.A rede embalava o tempo.A impressão da grande sombra movendo-se sobre a grama parcialmente seca, chamou a atenção de Pinkerton; ela caminhava de maneira lenta aparentemente vindo em sua direção. O homem que era magro e com um rosto alongado, levantou em um salto para ver do que se tratava.

Olhou ao céu, nem eclipse nem nuvem a justificar aquela sombra, o vento soprou e com ele um calafrio adveio, foi quando ao longe viu levantarem-se dos velhos campos de algodão, corpos de escravos esquecidos nos séculos que se passaram, e eles caminhavam agora em sua direção.

Fantasmas em plena luz do dia.Gemiam e caminhavam cadáveres como procissão, todos seguindo a sombra, que vinha rumo a sua casa.E o campo era vasto e os mortos caminhando eram muitos.Pinkerton entrou correndo pela porta , pensando ter chegado o Dia do Juízo.

Ele bateu a porta, trancou-a, correu, fechou as janelas com força, cada uma, como quem sepulta, jogando a ultima pá de terra sobre um túmulo.Eufórico.Subiu as escadas, bloqueou cada fresta, cada passagem do andar de cima e voltou para a sala.
Pegou sua velha espingarda.A luz doentia e sinistra do sol ainda entrava pela janela.Até que a sombra interrompeu sua entrada.E na porta os mortos batiam.Eles gemiam.E os velhos cadaveres dos escravos pediam para entrar.

Pinkerton assustado tremia e sua espingarda parecia que nem sequer funcionaria pela falta de uso.E tudo escureceu, nenhuma luz do sol naquela manhã entrou novamente pela janela, ou por qualquer outra fresta, apenas as batidas nas portas e o som dos escravos mortos pedindo para entrar. Alguns diziam, outros apenas gruniam.O tempo parecia interrompido.Contado em baques contra a madeira.

E o dia em noite se tornava.E o pobre Pinkerton ali sozinho com sua espingarda sem saber o que fazer.Horas vazias.Fantasmas em plena alvorada.Nada a se fazer.Sozinho. Como nunca estivera antes.

Pinkerton e os sons das mãos mortas batendo na porta."Deixe-nos entrar" em tom solene.

Adiantaria atirar nos mortos?

"Deixe-nos entrar!" em tom sepulcral e imperativo.

A porta rangia e urrava.Será que ela cederia?

Isso foi em uma certa manhã, perto do Mississipi, de assombrações e outonos ancestrais e um homem sozinho trancado em sua própria casa e fantasmas de escravos do lado de fora, a pedir e gritar e gritar."Deixe-nos entrar.Senhor Pinkerton!" bradavam agora com força ainda maior acompanhando do bater da porta.Crescendo.Serenata sombria de gritos e portas e mãos mortas.

Autor:Pablo Frazão

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